quinta-feira, 5 de abril de 2012

Religiões do Mundo: O Zoroastrismo e seu profeta Zaratustra I Parte

O ZOROASTRISMO


"Há dois espíritos contrários no
 pensamento, na palavra a na ação.
 Um escolheu o bem, o outro o mal;
 um mostra a vida, o outro, a morte.
 Assim fizeram desde o tempo do
 primeiro homem,
 assim farão até o fim do mundo."
 (AVESTA - Yasna XXX)

Por volta do século VI a.C. a emergência do fenômeno profético teve profundas repercussões em diferentes tradi­ções religiosas. Um fenômeno religioso que surgiu com carga fortemente crítica das religiões tradicionais e, simultanea­mente, uma grande força criadora e inventiva marcada por uma visão religiosa universalista e ecumênica. A palavra profé­tica tornou-se o arauto da idéia de um Deus único, poder so­berano na transcedência, na plenitude, que se traduziam no perfeito domínio tanto do universo como dos acontecimentos da humanidade, da história dos homens. Os portadores das no­vas mensagens eram fortes personalidades religiosas que sub­verteram estruturas e o pensamento religioso e levaram à for­mação de novas religiões.
Os movimentos proféticos elaboraram um discurso com­pleto e orgânico, no qual a Verdade soberana constituiu o tema mais importante da natureza divina, o princípio, o meio e o fim dos cosmos, a saber: a razão suprema tanto do mundo físico como do humano do social. Todos os profetismos ali­mentaram-se de concepções religiosas marcadas pela idéia de "vida", ou seja, o caminho que conduz à divindade única, transcendente, universal, o Poder sublime, juiz do mundo, do espaço, do tempo, da história e dos homens. O profetismo transformou a questão da morte e da sobrevivência no caminho da salvação.
Assim foi com o Zoroastrismo, movimento profético que surgiu no decorrer do século VI a.C., na região subcau­cásica da Pérsia, habitada por comunidades de pastores de origem indo-européia aparentados com o povo indiano (25).



O estudo da religião iraniana revela que este movi­mento, assim como a tradição judaico-cristã desde o profe­tismo bíblico, incorporou uma concepção linear de tempo, re­valorizou e sistematizou idéias fundamentais para o desen­volvimento posterior do próprio Cristianismo, do Judaismo. Numerosos foram os textos dos Evangelhos que revelaram sua fonte da gnose zoroástrica, num encontro decisivo do judaísmo após o Exílio e da insurreição contra a excessiva helenização do pensamento, da cultura e da religião. Na verdade, os profe­tas de Israel, a mensagem cristã e o Islamismo passaram pela brecha aberta do profetismo zoroástrico (26).
O ponto principal desta fusão que nos interessa está na apresentação de uma via mística original: alcançar o Reino de Deus transformou-se no objetivo supremo das aspirações humanas tanto na vida como na morte. Junto com isto ficou estabelecida a ressur­reição dos mortos, o Julgamento Final, o purgatório como o espaço intermediário das almas que não alcançaram o céu ou o paraíso, uma angelologia universal e a figura de um Salvador que viria para curar, renovar o mundo e suprimir a morte.
Perante uma comunidade constituída por pastores se­dentários emergiu a figura lendária do profeta Zaratustra, o reformador das antigas radiações religiosas e o missionário da pregação da palavra de um único Deus, Ahura-Mazda, uma divindade do panteão antigo, elevada por ele à categoria de Supremo Criador. O profeta construiu então um sistema reli­gioso articulado com a idéia de uma nova e verdadeira pro­posta salvacionista, pressupondo a existência de um Deus, Ahura-Mazda, o "Sábio Senhor" ou "Senhor da Sabedoria" (ou Ormazd na tradução pálavi), que revela a religião, direta­mente a seu profeta Zaratustra. Estas revelações ocorriam através de visões e diálogos durante os quais Deus esclare­cia dúvidas e indicava o caminho da sabedoria e da salvação. Ahura-Mazda é apresentado no Zoroastrismo como mestre e amigo, juiz e colaborador na tarefa espiritual dos homens, o instrutor da sabedoria e da benevolência, criador de todas as boas obras que existem no universo. Dentre estas boas obras estão os Amesha Spentas, seus auxiliares divinos que reunem os homens a Deus e as sete criações materiais que, juntas, formam a obra divina na matéria: o homem, o gado, o fogo, a terra, o céu, a água e as plantas. Este Deus único é o responsável pela luz, pela vida, pela saúde e alegria (27).
As revelações de Mazda fizeram parte da tradição oral do profetismo de Zaratustra, memorizadas pelos seus se­guidores. Esta tradição oral foi compilada nos primeiros sé­culos da Era Cristã, num conteúdo repleto de tradição reli­giosa pré-zoroastriana e, sem dúvida alguma, pré-cristão. Esta forma escrita de livro sagrado passou a ser conhecida como Avesta (palavra que significa prescrição ou funda­mento), do qual, infelizmente, três quartos estão perdidos. (Fala a tradição dum Avesta de 21 divisões, os Nasks, dos quais só um - o Vendidad - permaneceu intacto e do resto so­braram fragmentos. No século IIId.C. um rei persa da dinas­tia arsácida reuniu tudo o que existia em escrito ou na me­mória dos fiéis, fixando a forma atual do livro sagrado. Uma parte importante deste material foi destruída durante as in­vasões muçulmanas a partir do século VII). O que sobrou apa­rece organizado em hinos, os Yashts, na coleção de Yasnas, onde se encontram as coleções de hinos de Zoroastro, conhe­cidos como Gathas. É sobre este material que realizam-se os principais estudos do sistema religioso desenvolvido pelo Zorastrismo.
Avesta
Em primeiro lugar vamos falar do dualismo zoroástri­co. Ahura-Mazda, o criador do mundo pela ação de seu pen­samento e protetor dos homens, vinha acompanhado por uma es­colta de seres divinos (os Amesha Spenta) que eram manifes­tações de princípios divinos e protetores das boas criações do mundo.


Os Amesha Spentas:

  • "Vohu Manah" ('Bom Pensamento'): os animais;
  • "Asha Vahishta" ('Verdade Perfeita'): o fogo;
  • "Spenta Ameraiti" - ('Devoção Benfeitora'): a terra;
  • "Khashathra Vairya" - ('Governo Desejável'): o céu e os metais;
  • "Hauravatat" ('Plenitude'): a água;
  • "Ameretat" ('Imortalidade'): as plantas.




Além de ser o criador destas divindades ele era o pai de dois espíritos gêmeos, Spenta Mainyu (Espírito do Bem) e Angra Mainyu espírito destruidor), que por liberdade de escolha optaram por caminhos diferentes: o primeiro, o caminho do Mal; o segundo, o caminho do Bem , numa opção de escolha e não uma questão de natureza. Desta maneira, o dua­lismo da teologia zoroástrica não fazia referência a um Deus do bem e outro do mal, mas apontava a uma oposição entre dois princípios emanados de uma mesma divindade, que, por livre escolha, fizeram sua vocação, não cabendo a Ahura-Mazda a responsabilidade pela criação do mal. A contradição aparente entre a luta do Bem e do Mal era uma referência à liberdade humana de escolher entre o caminho da Luz e da Vida ou o Mundo das trevas e da Morte (28).
 O mundo era or­denado pela luta entre estes dois princípios, numa oposição metafísica que virava a história linear e dramática dos ho­mens, incerta devido à contínua alternância das potências em combate, porém segura do exílio do bem, nos últimos tempos apocalípticos. Cabia à humanidade participar desta luta, para garantir a vitória final de Ahura-Mazda: luta divina e participação humana resolvem a inserção total no tempo e as vicissitudes cósmicas até a vitória final (29).
Muito importante era a doutrina desenvolvida pelo Zoroastrismo sobre a Ressurreição dos corpos, da salvação final e da vitória do Bem. A crença na ressurreição dos cor­pos estava expressa no Yasht (19, 11, 13, 89 e 129), relaci­onando-a com a chegada do salvador anunciada por Zaratustra e com a grande Renovação Final, num movimento escatológico especial: o mundo renovado e purificado representava uma nova Criação sem a presença de impurezas ou ação do Mal e os ressuscitados receberiam vestes gloriosas e indestrutibili­dade que eram a imagem da imortalidade espiritual num Mundo Transfigurado, que a nova crença conferia aos seus fiéis (30). Alguns autores tentam repensar esta questão da ressur­reição dos mortos no âmbito do Zoroastrismo, recriando uma nova abordagem de coerência lógica: se um novo mundo vai ser instalado, mandava a justiça divina trazer os que morreram antes de tal acontecimento, para participar e receber a justa retribuição pelos seus atos. 
Juízo Final - Capela Sistina
O tempo Final, após os cataclismas cósmicos, terrenos e sociais, depois da ressur­reição e da grande batalha entre as forças celestes e demo­níacas, será marcado pela passagem do mundo num rio de metal derretido que testará a verdadeira pureza. Quando o Mal for definitivamente derrotado, o céu e a terra se fundirão no melhor dos mundos e o gênero humano que sobreviver espiritu­almente purificado viverá no Reino Eterno de Ahura-Mazda, pela eternidade, livre de toda impureza e maldade (31).


Bibliografia

26.      Du Breuil, P., Zoroastro: Religião e Filosofia. SP. Ibrasa, 1987, pp. 16-8,  146-8, 171-5. O Zoroastrismo não é uma tradição religiosa desaparecida. Existe, no mundo contemporâneo, como a religião oficial dos par­ses, estabelecidos na região de Bombaim, e que formam uma comunidade de cerca de 90.000 pessoas, conservando tradições, cultos, ritos e a língua sagrada dos anti­gos seguidores de Zoroastro, evidentemente sincretiza­da e influenciada pelas diferentes experiências reli­giosas dos tempos e regiões por onde passaram. Os se­guidores dos ideais zoroástricos refugiaram-se na Ín­dia entre os séculos X e XI, fugindo da expansão islâ­mica no Irã. Encontraram na estrutura indiana de cas­tas um esquema favorável à sua sobrevivência étnica, religiosa e cultural. Algumas comunidades zoroástricas continuaram vivendo no Irã: são os zartoshtis, que conseguiram sobreviver ao islamismo e manter, com muita dificuldade, aspectos essenciais de suas cren­ças, pelo menos até o final do governo do Xá Reza Pahlevi.

27.      Duchesne - Guillemin, J., "Iran Antiguo y Zoroastro", In: Historia de las Religiones, Vol. III, pp. 452-3. "La Religion Irannienne" In: Les Religiones de l'Orient Ancien, Paris, Fayard, 1956, pp. 99-140.
28.      Eliade, História das Idéias e das Crenças Religiosas, Tomo I, vol 2, pp, 147-8.
29.      Adriani, M., História das Religiões, op.cit., pp. 92-3
30.      Eliade, op.cit., pp. 172-3.
31.      Duchesne - Guillemin, op.cit., p. 400.
32.      Eliade, op.cit., p. 168

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