O ZOROASTRISMO
"Há dois espíritos contrários no
pensamento, na palavra a na ação.
Um escolheu o bem, o outro o mal;
um mostra a vida, o outro, a morte.
Assim fizeram desde o tempo do
primeiro homem,
assim farão até o fim do mundo."
(AVESTA - Yasna XXX)
Por volta do século VI a.C. a emergência do fenômeno profético teve profundas repercussões em diferentes tradições religiosas. Um fenômeno religioso que surgiu com carga fortemente crítica das religiões tradicionais e, simultaneamente, uma grande força criadora e inventiva marcada por uma visão religiosa universalista e ecumênica. A palavra profética tornou-se o arauto da idéia de um Deus único, poder soberano na transcedência, na plenitude, que se traduziam no perfeito domínio tanto do universo como dos acontecimentos da humanidade, da história dos homens. Os portadores das novas mensagens eram fortes personalidades religiosas que subverteram estruturas e o pensamento religioso e levaram à formação de novas religiões.
Os movimentos proféticos elaboraram um discurso completo e orgânico, no qual a Verdade soberana constituiu o tema mais importante da natureza divina, o princípio, o meio e o fim dos cosmos, a saber: a razão suprema tanto do mundo físico como do humano do social. Todos os profetismos alimentaram-se de concepções religiosas marcadas pela idéia de "vida", ou seja, o caminho que conduz à divindade única, transcendente, universal, o Poder sublime, juiz do mundo, do espaço, do tempo, da história e dos homens. O profetismo transformou a questão da morte e da sobrevivência no caminho da salvação.
Assim foi com o Zoroastrismo, movimento profético que surgiu no decorrer do século VI a.C., na região subcaucásica da Pérsia, habitada por comunidades de pastores de origem indo-européia aparentados com o povo indiano (25).
O estudo da religião iraniana revela que este movimento, assim como a tradição judaico-cristã desde o profetismo bíblico, incorporou uma concepção linear de tempo, revalorizou e sistematizou idéias fundamentais para o desenvolvimento posterior do próprio Cristianismo, do Judaismo. Numerosos foram os textos dos Evangelhos que revelaram sua fonte da gnose zoroástrica, num encontro decisivo do judaísmo após o Exílio e da insurreição contra a excessiva helenização do pensamento, da cultura e da religião. Na verdade, os profetas de Israel, a mensagem cristã e o Islamismo passaram pela brecha aberta do profetismo zoroástrico (26).
O ponto principal desta fusão que nos interessa está na apresentação de uma via mística original: alcançar o Reino de Deus transformou-se no objetivo supremo das aspirações humanas tanto na vida como na morte. Junto com isto ficou estabelecida a ressurreição dos mortos, o Julgamento Final, o purgatório como o espaço intermediário das almas que não alcançaram o céu ou o paraíso, uma angelologia universal e a figura de um Salvador que viria para curar, renovar o mundo e suprimir a morte.
Perante uma comunidade constituída por pastores sedentários emergiu a figura lendária do profeta Zaratustra, o reformador das antigas radiações religiosas e o missionário da pregação da palavra de um único Deus, Ahura-Mazda, uma divindade do panteão antigo, elevada por ele à categoria de Supremo Criador. O profeta construiu então um sistema religioso articulado com a idéia de uma nova e verdadeira proposta salvacionista, pressupondo a existência de um Deus, Ahura-Mazda, o "Sábio Senhor" ou "Senhor da Sabedoria" (ou Ormazd na tradução pálavi), que revela a religião, diretamente a seu profeta Zaratustra. Estas revelações ocorriam através de visões e diálogos durante os quais Deus esclarecia dúvidas e indicava o caminho da sabedoria e da salvação. Ahura-Mazda é apresentado no Zoroastrismo como mestre e amigo, juiz e colaborador na tarefa espiritual dos homens, o instrutor da sabedoria e da benevolência, criador de todas as boas obras que existem no universo. Dentre estas boas obras estão os Amesha Spentas, seus auxiliares divinos que reunem os homens a Deus e as sete criações materiais que, juntas, formam a obra divina na matéria: o homem, o gado, o fogo, a terra, o céu, a água e as plantas. Este Deus único é o responsável pela luz, pela vida, pela saúde e alegria (27).
As revelações de Mazda fizeram parte da tradição oral do profetismo de Zaratustra, memorizadas pelos seus seguidores. Esta tradição oral foi compilada nos primeiros séculos da Era Cristã, num conteúdo repleto de tradição religiosa pré-zoroastriana e, sem dúvida alguma, pré-cristão. Esta forma escrita de livro sagrado passou a ser conhecida como Avesta (palavra que significa prescrição ou fundamento), do qual, infelizmente, três quartos estão perdidos. (Fala a tradição dum Avesta de 21 divisões, os Nasks, dos quais só um - o Vendidad - permaneceu intacto e do resto sobraram fragmentos. No século IIId.C. um rei persa da dinastia arsácida reuniu tudo o que existia em escrito ou na memória dos fiéis, fixando a forma atual do livro sagrado. Uma parte importante deste material foi destruída durante as invasões muçulmanas a partir do século VII). O que sobrou aparece organizado em hinos, os Yashts, na coleção de Yasnas, onde se encontram as coleções de hinos de Zoroastro, conhecidos como Gathas. É sobre este material que realizam-se os principais estudos do sistema religioso desenvolvido pelo Zorastrismo.
Avesta
Em primeiro lugar vamos falar do dualismo zoroástrico. Ahura-Mazda, o criador do mundo pela ação de seu pensamento e protetor dos homens, vinha acompanhado por uma escolta de seres divinos (os Amesha Spenta) que eram manifestações de princípios divinos e protetores das boas criações do mundo.
Os Amesha Spentas:
- "Vohu Manah" ('Bom Pensamento'): os animais;
- "Asha Vahishta" ('Verdade Perfeita'): o fogo;
- "Spenta Ameraiti" - ('Devoção Benfeitora'): a terra;
- "Khashathra Vairya" - ('Governo Desejável'): o céu e os metais;
- "Hauravatat" ('Plenitude'): a água;
- "Ameretat" ('Imortalidade'): as plantas.
Além de ser o criador destas divindades ele era o pai de dois espíritos gêmeos, Spenta Mainyu (Espírito do Bem) e Angra Mainyu espírito destruidor), que por liberdade de escolha optaram por caminhos diferentes: o primeiro, o caminho do Mal; o segundo, o caminho do Bem , numa opção de escolha e não uma questão de natureza. Desta maneira, o dualismo da teologia zoroástrica não fazia referência a um Deus do bem e outro do mal, mas apontava a uma oposição entre dois princípios emanados de uma mesma divindade, que, por livre escolha, fizeram sua vocação, não cabendo a Ahura-Mazda a responsabilidade pela criação do mal. A contradição aparente entre a luta do Bem e do Mal era uma referência à liberdade humana de escolher entre o caminho da Luz e da Vida ou o Mundo das trevas e da Morte (28).
O mundo era ordenado pela luta entre estes dois princípios, numa oposição metafísica que virava a história linear e dramática dos homens, incerta devido à contínua alternância das potências em combate, porém segura do exílio do bem, nos últimos tempos apocalípticos. Cabia à humanidade participar desta luta, para garantir a vitória final de Ahura-Mazda: luta divina e participação humana resolvem a inserção total no tempo e as vicissitudes cósmicas até a vitória final (29).
Muito importante era a doutrina desenvolvida pelo Zoroastrismo sobre a Ressurreição dos corpos, da salvação final e da vitória do Bem. A crença na ressurreição dos corpos estava expressa no Yasht (19, 11, 13, 89 e 129), relacionando-a com a chegada do salvador anunciada por Zaratustra e com a grande Renovação Final, num movimento escatológico especial: o mundo renovado e purificado representava uma nova Criação sem a presença de impurezas ou ação do Mal e os ressuscitados receberiam vestes gloriosas e indestrutibilidade que eram a imagem da imortalidade espiritual num Mundo Transfigurado, que a nova crença conferia aos seus fiéis (30). Alguns autores tentam repensar esta questão da ressurreição dos mortos no âmbito do Zoroastrismo, recriando uma nova abordagem de coerência lógica: se um novo mundo vai ser instalado, mandava a justiça divina trazer os que morreram antes de tal acontecimento, para participar e receber a justa retribuição pelos seus atos.
Juízo Final - Capela Sistina
O tempo Final, após os cataclismas cósmicos, terrenos e sociais, depois da ressurreição e da grande batalha entre as forças celestes e demoníacas, será marcado pela passagem do mundo num rio de metal derretido que testará a verdadeira pureza. Quando o Mal for definitivamente derrotado, o céu e a terra se fundirão no melhor dos mundos e o gênero humano que sobreviver espiritualmente purificado viverá no Reino Eterno de Ahura-Mazda, pela eternidade, livre de toda impureza e maldade (31).
Bibliografia
26. Du Breuil, P., Zoroastro: Religião e Filosofia. SP. Ibrasa, 1987, pp. 16-8, 146-8, 171-5. O Zoroastrismo não é uma tradição religiosa desaparecida. Existe, no mundo contemporâneo, como a religião oficial dos parses, estabelecidos na região de Bombaim, e que formam uma comunidade de cerca de 90.000 pessoas, conservando tradições, cultos, ritos e a língua sagrada dos antigos seguidores de Zoroastro, evidentemente sincretizada e influenciada pelas diferentes experiências religiosas dos tempos e regiões por onde passaram. Os seguidores dos ideais zoroástricos refugiaram-se na Índia entre os séculos X e XI, fugindo da expansão islâmica no Irã. Encontraram na estrutura indiana de castas um esquema favorável à sua sobrevivência étnica, religiosa e cultural. Algumas comunidades zoroástricas continuaram vivendo no Irã: são os zartoshtis, que conseguiram sobreviver ao islamismo e manter, com muita dificuldade, aspectos essenciais de suas crenças, pelo menos até o final do governo do Xá Reza Pahlevi.
27. Duchesne - Guillemin, J., "Iran Antiguo y Zoroastro", In: Historia de las Religiones, Vol. III, pp. 452-3. "La Religion Irannienne" In: Les Religiones de l'Orient Ancien, Paris, Fayard, 1956, pp. 99-140.
28. Eliade, História das Idéias e das Crenças Religiosas, Tomo I, vol 2, pp, 147-8.
29. Adriani, M., História das Religiões, op.cit., pp. 92-3
30. Eliade, op.cit., pp. 172-3.
31. Duchesne - Guillemin, op.cit., p. 400.
32. Eliade, op.cit., p. 168Fonte: http://scholar.googleusercontent.com/scholar?q=cache:S3RAFm_2TQMJ:scholar.google.com/+profeta+zaratustra&hl=pt-BR&as_sdt=0,5 acessado em 05 de abril de 2012
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