Conhecer é a necessidade básica do homem. Às vezes ficamos contentes de saber que outros homens conhecem, de que o conhecimento sobre muitas coisas está disponível para nós se quisermos obtê-lo. Mas há uma área de conhecimento que fazemos questão de possuir só para nós mesmos. Pode ser suficiente, por exemplo, que alguns homens conheçam as minúcias da estrutura atômica ou as órbitas celestiais das esferas; como leigos, não estamos equipados nem desejamos duplicar os conhecimentos desses homens. Há saber, no entanto, que deve ser individual; aliás, a validação universal deste tipo de saber jaz em sua própria singularidade à medida que vem para cada um de nós com o frescor de uma nova invasão de significado. Quando os eventos, as circunstâncias, ou as próprias condições de vida nos empurram com uma urgência que não podemos negar para descobrir as raízes de nosso próprio ser, já não mais estamos satisfeitos com o conhecimento de um outro homem. É a nossa própria visão que deve iluminar o coração, nossa própria sabedoria que deve iluminar a mente.
A procura do significado
Que coisa é essa que o homem precisa conhecer? A busca é essencialmente por significado: a capacidade de infundir significância no mundo é a marca distinta do homem. Perguntamos como funciona o mecanismo do universo, observando o funcionamento de todas as coisas. Então a crescente percepção exige outro tipo de compreensão. Pedimos para conhecer a ordem interna da natureza, a natureza interna da vida. Agora se deve proceder a um assalto à própria cidadela do significado. Afinal de contas a consciência exige nada menos que a tomada da fortaleza da Realidade na qual reside a totalidade da compreensão.
A experiência da irresistível totalidade da vida sempre foi considerada como pertencendo ao domínio do misticismo. Infelizmente, porém, esse domínio tem amiúde sido considerado como território de uns poucos ou como uma ilha separada do continente principal do conhecimento científico humano por um mar de pensamentos vagos e desordenados. A busca pelo significado em si mesmo, que leva à ciência, também é em essência uma experiência mística.
Se aceitarmos a premissa de que até mesmo o ato de dar nome às peças de mobília no mundo – a classificar, rotular e ordenar os fenômenos – é o processo de tornar consciente ou trazer para a vanguarda da consciência aquilo que antes era inconsciente e desconhecido, então todo ser humano, em virtude de ser humano, participa da necessidade de obter significado e por isso experiencia o supremo ao executar o ato humano de dar nome aos eventos, objetos, às experiências, idéias e pessoas. O místico, então, não é apenas o transcendente; é o numinoso revelado em cada evento, o indizível que sempre permanece por detrás, no interior, e além daquilo que é dito. Desse modo o místico torna-se uma categoria transcendental de experiências humanas que, psicologicamente falando, manifesta-se em toda parte onde a consciência não tenha ainda avançado, mas está no ato de avançar para alargar a área de conhecimento do eu.
Conhecimento transcendente
A maioria dos autores concordam em que a experiência mística é marcada por características específicas. Um acordo mais fundamental que o número ou a classificação das características é o reconhecimento de que a experiência mística é essencialmente paradoxal por natureza, e por isso é “incomunicável” no nível da comunicação verbal.
A transmissão, conseqüentemente, é conseguida não por palavras, embora os grandes místicos de todas as tradições tenham procurado descrever com palavras tanto a numinosidade quanto a luminosidade de suas experiências. O oposto de toda experiência encontra-se no fato simples de que a tivemos, ou de que ela nos teve, mas jamais podemos comunicá-la completamente a outros. Nós compartilhamos por similaridades e analogias. A maçã que eu como e a que você come são duas maçãs, mesmo quando mordemos a mesma maçã.
Uma vez que em toda experiência o elemento de sentimento está presente, a qualidade da inefabilidade está também presente. Precisa-se apenas tentar uma descrição do azul ou uma definição do frescor para se reconhecer a indizível natureza das coisas.
Ainda assim o conhecimento está longe de estar ausente; realmente a qualidade intelectual da experiência mística é uma de suas características essenciais, pois esta categoria da percepção humana está marcada por uma capacidade absoluta de conhecer, à qual a dúvida não pode assaltar nem o ceticismo negar.
A experiência é de autoridade interna, cuja racionalidade não precisa de provas, pois a validação é a própria vida e seu enriquecimento.
Enquanto o saber permanece uma percepção inesquecível, para sempre presente por trás de todas as experiências fugazes, o momento do insight parece transitório, o toque da borboleta sobre o desabrochar da mente, uma visão que mal dá para se ver de soslaio, um incitamento momentâneo do coração.
Mas em toda parte e em todas as coisas há um ritmo, o movimento cíclico da própria vida. Muitas vezes parece ocorrer uma inversão no fluxo da consciência, de modo que nós não apenas retornamos ao lugar comum mas até mesmo nos voltamos para um pólo oposto de percepção no qual a luz da consciência parece ter-se apagado. A ofuscante iluminação da experiência intelectual é seguida pela cegueira do não-saber. Entramos na “noite escura da alma”, para usar a conhecida frase de São João da Cruz.
Na paradoxal natureza da experiência mística, porém, o caráter transitório do momento de satori é colocado contra o pano de fundo da eternidade, pedindo emprestado o termo budista para um insight esclarecedor, e para o movimento rítmico da consciência em conformidade com a lei da enantiodromia. A questão do tempo e seu relacionamento com a consciência absorveram o homem especulativo ao longo da história. Qual a extensão de um momento? Quão breve é uma hora? Alguns momentos duram para sempre; há hora cuja duração parece fugaz.
Warner Allen, no livro The Timeless Moment, descreve com surpreendente clareza uma experiência de iluminação entre duas notas de uma sinfonia: “Brilhava à maneira de um relâmpago durante uma execução da Sétima Sinfonia de Beethoven... O fluir rápido e contínuo da música não era interrompido, de modo que aquilo que T. S. Eliot chama de ‘interseção do momento eterno’ deve ter escapulido entre duas quase-semicolcheias... Arrebatado na música de Beethoven, fechei os olhos e observei um reluzir prateado, em forma de círculo... Estou absorvido na Luz do Universo.”
Uma presença agora penetra o mais simples dos objetos, o mais comum dos eventos. Um antigo poeta sufi da Pérsia (Irã), Baba Kuhi de Shiras, conseguia ver Deus em todas as coisas. Em todos os Upanixades, a unidade do Universal chamada Brahman é vista como presente em toda parte. O Mundukya-Upanixade proclama: “nada há que não seja Espírito.” “O divino morador interno”, como tem sido chamado, a presença de Deus em todas as coisas: perceber isso a qualquer momento e em todos os momentos é conhecer a realidade fundamental de todas as coisas. O que quer que seja visto desta maneira está agora imbuído de uma significação além da existência fenomenológica.
Ao mesmo tempo em que há a totalidade do Espírito, Deus, Realidade, em todas as coisas e em todos os seres, também há uma qualidade de vazio através da natureza. Na paradoxal natureza sempre presente da experiência, a consciência mística é uma percepção tanto do pleno quanto do vazio; a maneira mística é num único e mesmo momento um esvaziamento do ‘eu’ e um preenchimento do “Eu”. Em nenhum lugar este paradoxo tomou forma mais clara que na tradição mística do Taoísmo:
“Toque a vacuidade última,
Agüente firme.”
(Tao Te Ching)
Um estado de sentimento
A experiência mística é uma experiência inefável: desafia a limitação de uma descrição, pois nenhuma palavra pode conter sua totalidade. Neste pormenor, pode-se dizer que se assemelha a um estado de sentimento, mais do que a um estado de pensamento. Em lugar algum foi a inefabilidade da experiência mais magnificamente esboçada do que num pequeno pedaço de papel costurado no interior da jaqueta do matemático e filósofo francês Blaise Pascal, e encontrado após sua morte, evidentemente recordando uma experiência que ele tivera quando jovem:
“De mais ou menos dez e meia da noite até cerca de meia noite e meia.
Fogo.
Deus de Abrahão, Deus de Isaac, Deus de Jacó,
não o Deus dos filósofos e dos eruditos.
Certeza absoluta: além da razão, Alegria, Paz.
Esquecimento do mundo e de tudo menos de Deus.
O mundo não Te tem conhecido, mas eu Te conheci.
Alegria! Alegria! Lágrimas de Alegria!”
A perda do eu
Na experiência mística também há uma perda do eu fenomenalístico; o “eu” pessoal desapareceu, não para ser substituído por um “eu” maior, que leva a um ensoberbecimento pessoal, mas por uma total exclusão do eu, uma vez que não pode haver nem eu nem você, mas apenas o vazio e o pleno d’Aquilo.
E o caminho? É um caminho que não é caminho; uma senda na qual o peregrino deve tornar-se, se ele a vai trilhar. São João da Cruz assim resumiu os estágios clássicos:“Para se chegar a obter
"Para se chegar a obter
prazer em tudo,
O desejo de obter prazer
em nada.
Para se chegar a possuir
tudo,
o desejo de possuir
nada.
Para se chegar a ser
tudo,
Desejar ser
nada.”
O vazio, o pleno, o mistério do caminho que não é absolutamente um caminho, a experiência que finalmente não é experiência alguma, pois não há nem um experienciador nem algo que possa ser experienciado: isso é misticismo.
Finalmente, embora definamos a experiência mística, qualquer que seja a característica que lhe atribuamos, a sua validação última como uma experiência deve ser em termos de sua qualidade transformadora, o seu efeito sobre nossas vidas. Pois a genuína experiência mística marca um ponto da renovação criativa. Cada um de nós caminha por sua própria Estrada de Damasco, atento à sua separatividade, às suas preocupações pequeninas e pessoais – preocupado, ansioso, às vezes se deleitando nos prazeres da existência, às vezes se entristecendo com os desapontamentos e fracassos.
Ainda assim de repente podemos ver claramente, pois uma luz brilha de uma fonte desconhecida por nós, e o mundo é transformado porque nós somos transformados. Um novo nome nos pertence: o Saulo de ontem agora é Paulo, o portador de uma nova consciência. O “ver simplesmente,” como tem sido chamado, é nosso, agora: a visão que é total, e todo o mundo arde nas chamas da glória. Em todo Aqui e em todo Agora, a luminosidade d’Aquilo – Deus, Brahman, o Amado, segue brilhando.
Carl Jung, em seu comentário sobre The Secret of the Golden Flower, disse que “Toda declaração sobre o que é transcendente deve ser evitada, pois é uma presunção risível de parte das mentes humanas...” Ainda assim a eterna luta com as palavras e os significados continua; a “presunção risível” parece uma necessidade, para definir aquilo que vislumbramos ou de que tivemos conhecimento.
Mas se nossa experiência, qualquer que seja, nos transformou a partir do interior, transformou nossos corações, iluminou nossas mentes, a “presunção risível” em que tomamos parte exigirá um eco como resposta de uma alegre risada de todo o mundo. Pois passaremos cada momento de todos os dias como se fosse a aurora da criação, quando tudo era luz e “as estrelas da manhã cantavam juntas” no êxtase e na maravilha de uma nova vida.
EXTRAIDO DO SITE:http://www.sociedadeteosofica.org.br/ pesquisa realizada no dia 03 de Abril de 2011
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